terça-feira, 23 de março de 2010

Fórum Social Urbano é aberto com manifestações e discurso de intelectuais

Foi aberto ontem o Fórum Social Urbano, no Rio de Janeiro. Após uma manifestação que aconteceu pela manhã em favor do direito à cidade – e que foi duramente reprimida pela polícia nas proximidades do fórum oficial da ONU – foi realizada a paletra que inaugurou o evento.

Na mesa de abertura, importantes intelectuais ligados aos principais movimentos sociais urbanos. Foram convidados a urbanista Raquel Rolnik, relatora da ONU pelo direito à moradia digna e professora da FAU-USP, o norte-americano David Harvey, professor da Universidade de Columbia (EUA) e Erminia Maricato, também professora da FAU-USP. O professor Peter Marcuse, professor da Universidade de Columbia não conseguiu chegar a tempo por conta de um problema com o visto, mas enviou o texto que leria durante o evento.

A relatora da ONU e professora da FAU Raquel Rolnik abriu o debate. Ela começou criticando a visão do modelo dominante que vê na terra apenas um meio para produção infinita. Para a urbanista, a luta pelo direito à moradia, à cidade e à justiça é uma luta global. Porém ela não mostrou otimismo em seu discurso.

“As políticas sociais de moradia estão sendo desmontadas. Sem mexer no sistema de regulamentação ao acesso à terra, na máquina de exclusão territorial, todo o esforço de investimento em melhorias urbanas vai acabar sendo transferido para poucas mãos”, afirmou Rolnik. Mas, para ela, esse não é um destino inexoravel: a mobilização dos movimentos pode deter essa tendência.

Ela também criticou o fato de a manifestação organizada pelo Fórum Social Urbano ter sido reprimida pela policia, que lançou mão de gás de pimenta, bem em perto do evento da ONU – órgão do qual é relatora pelo direito à moradia digna.

Jà Peter Marcuse, que não pode estar presente, discutiu a realização de dois fóruns simultâneos – o Fórum Urbano Mundial e o Fórum Social Urbano. Para o professor de Columbia, ambos os espaços tem legitimidade, mas tem objetivos distintos. Ele criticou a noção de “melhores práticas”, tão propalado pelos orgãos multilaterais como metodologia de pesquisa e de orientação da ação pública. Para Marcuse, é preciso qualificar essa noção: “Práticas para quem? Melhores para quem?”, disse, em carta lida ontem, no Rio.

O intelectual norte-americano defendeu ainda que o slogan do direito à cidade seja recuperado em sua acepção original, que continha em si um elemento radical de defender o direito à cidade para aqueles que não tinham direitos.

Em seguida foi a vez da professor da USP Erminia Maricato fazer suas considerações. Ela começou a paletra lançando um alerta: “As cidades estão piorando”, afirmou. Ela fez ressalvas positivas sobre a realização de fóruns oficiais, como o Fórum Mundial Urbano, pois ele coloca a questão urbana de alguma forma na agenda política, e dos relatórios da ONU, que denunciam a “urbanização da pobreza”.

Ela criticou a mídia, por não levar em conta a questão da terra de maneira mais crítica e afirmou que as leis de zoneamento veem a cidade como um mercado, porém em vàrias partes do mundo, mais da metade da população está alijada do mercado. “Boa parte da população urbana ocupa a terra ilegalmente porque não cabe na cidade”, disse.

Por fim falou o palestrante mais esperado da noite. O professor de Columbia David Harvey defendeu que há ideias do direito à cidade que precisam ser recuperados. Para ele, é um equívoco pensar em expansão continua do mercado, como o maior acesso ao microcrédito e outras ferramentas do tipo, sem que se questione a lógica capitalista.

Ele ressaltou que o capital, hoje, está se deslocando para formas incorpóreas de investimento, como os megaeventos esportivos e espetaculares. Porém, essas ações não duram e acabam aprofundando as desigualdades nas cidades e geram problemas adicionais para o próprio país.

Ele cita como exemplo o caso da Grécia, que hoje passa por uma grave crise. “Não é por acaso que a Grécia está com grandes problemas financeiros. Boa parte deles se devem aos empréstimos que o país teve que captar no exterior e que, depois, não teve como pagar”, explica Harvey.

Para o intelectual norte-americano, as cidades são fundamentais para compreender e transformar o mundo hoje, jà que, segundo ele, é nela que estão a origem e a solução das crises. De acordo com Harvey, é tarefa dos movimentos sociais estar atentos a essas causas e retomar a noção de direito à cidade para todos.

Para Harvey, as manobras do capital e do poder político são principalmente quatro: dividir os movimentos sociais; retirar-lhes direitos e pô-los na defensiva; criminalizar os movimentos sociais e militarizar as cidades.

“O direito à cidade é uma verdadeira luta anticapitalista e antimilitarista”, concluiu Harvey.


Instituto Pólis