sábado, 23 de junho de 2007

A desconstruçao dos quadrantes: espacialidade e imagem dentro das metrópoles.


Enquanto latinos anteriores a nós partiam para a cidade luz em busca de historias políticas, amores imagéticos, denúncias e resistência aos governos tiranos de seus paises com muito café em meio a atmosfera nostálgica do exílio dos anos amargados pela ditadura latino-americana. Nos saímos para a mesma Paris de Julio Cortazar, Mario Vargas Llosa, Eduardo Galeano, Carlos Fuentes e Gabriel Garcia Márquez em meio a outro contexto social político das Américas, que por sua vez, nos revelara uma problemática difícil tanto quanto há algumas décadas seja no âmbito social e não menos ao que se refere política. Foi assim que partimos em novembro de 2006 para Paris.
Em um quarto de hotel da Plaza la nacion, depois de um dia inteiro andando por mais de 12 horas pelas ruas e Bouvard da cidade que reflete a imagem da gloria e do conhecimento chegamos exaustos ao dormitório. Recepcionados pela Blanca, mulher de meia idade que ocupava o lobby do hotel com um sorriso amarelo não no sentido blasé da expressão, mas amarelo da cor, cor dos dentes. Disse, logo que entramos, dois bon soir olhando fixamente nos olhos a medida que pronunciava um para cada. Subimos.
Depois da sensação de descanso que o banho proporcionou e como não entendíamos quase nada da limitada programação da tv decidi pegar novamente a maquina fotográfica e brincar com a formação de situações/imagens. Estava com meu amigo Eloir Santos e, por conseqüente, o alvo ou modelo das experimentações acabou sendo ele. A principio resistiu um pouco porque estava cansado, resmungava bastante. Mas com um pouco de persistência terminou por aceitar quando disse que faríamos Arte. Palavra mágica aos ouvidos sensíveis e olhos atentos daquele que o dia inteiro, assim como eu, ficou extasiado com a exuberância de uma metrópole.
A primeira foto ocorreu com ele deitado. Como estava vendo-o somente de perfil, do lado direito, pedi para que ele colocasse a mão esquerda na boca de modo que eu não pudesse ver a extensão do braço. Feito isso, a imagem estava ali na minha frente formada pelo crânio e pela mão que se projetava com uma força que a sensação que me causou foi a de uma pessoa sendo engolida e, como em um ultimo gesto, pedia socorro através daquela que ainda resistia ao mundo não mastigado. Era a luta entre a sobrevivência da imagem pura e o deglutinador, o antropofágico de si mesmo. Uma expressão surreal.
Para a segunda acontecer não precisou de mais nada, bastou olharmos para o resultado na tela de lcd da câmera. Assim, rapidamente fui ate o banheiro e peguei um grande pedaço de fio dental e contornei o rosto do Eloir de tal forma que o fio dental formasse pequenas divisões em seu rosto, nada com dor ou sofrimento, tudo ali estava sendo feito depois de um dia inteiro de visitas a lugares excepcionais, comidas incríveis e muito vinho. A imagem resultado foi mais forte que a primeira. Houve uma seqüência de três ou quatro com a mesma situação do rosto. Essa que decidimos iniciar o projeto de vinculação por grandes metrópoles. Mas adiante explicitarei melhor tal projeto. Agora estou, ainda, no processo de criação que servirá como sustentação para o que estamos questionando.
Já com a segunda imagem criada as demais surgiram da catarze que a situação havia proporcionado. Em algumas horas produzimos dezenas de fotos.
Já no Brasil, o tempo distanciou a criação e revendo aquelas imagens que outrora fora criadas como uma espécie de convulsão por não mais haver espaço pelo tanto que vimos e sentimos na cidade racionalizada. Restaram perguntas. Perguntas que a medida que os dias passavam e mais pessoas, nossos amigos, conheciam aquelas que proporcionaram momentos engraçados dentro de um quarto de hotel de paris agora causavam, aqui no Brasil, situações constrangedoras, definições e perguntas que nem sequer passou pela nossa cabeça, tais como: “vocês estão questionando a religião católica”, “o Eloir se machucou fazendo isso” ou ainda aqueles que não conseguiram reconhecer nem mesmo o modelo e disseram que a imagem representa simplesmente tortura.
Eu me abstenho de qualquer definição plausível ou não pelo simples fato de ter consciência do processo de criação. Parto desse principio para aplicar teoria e chegar a premissa que temos em mente.
Remotarei-me a escola de Frankfurt com a discussão a respeito da teoria tradicional e teoria critica usando, como respaldo cientifico, o pensador Horkheimer.
O pensamento não pode ser compreendido distanciado da práxis histórica que o produziu. Não consegue-se separar a organização social do pensamento humano. Todo pensamento tem uma espacialidade e temporalidade, refere-se o pensador Max Horkheimer em “Teoria tradicional e teoria critica”, texto de 1937.
Não farei explanação teórica cientifica a respeito da obra do sociólogo alemão e sim usarei como ponto de partida e demonstração do que nos faz sofrer a pós-contemporaneidade com seus entraves e contradições, principalmente contradições.
Começo por expor a contradição que a imagem causou. Já visto o que alguns manifestaram a respeito do que viram, a imagem não é resultado de nenhuma daquelas proposições citadas. Não foi pensada com intuito de repugnar e não foi, muito menos, idealizada. Em uma analise da obra em sua finalização e do contexto de criação não há nada que venha a justificar a expressão que o rosto nos apresenta, mas existe em linhas indiretas a noção de manipulação. Manipulamos. Manipulamos a imagem inconseqüentemente total desprovido de propósitos, apenas buscando uma linguagem visual expressiva e fora de padrões sem adjetivos. O resultado foi esse que vocês estão vendo pelas ruas. A contradição esta, portanto, no significado uma vez que o significante nada condiz com as observações calorosas ou não que venho recebendo a respeito da imagem. Essa é a questão fundamental. Foi essa a questão que nos fez parar pra refletir a respeito da imagem. Van gogh, por exemplo, pintava com cores alegres lindos campos, mas cortou a própria orelha em um momento de insanidade. O significante não condiz muitas vezes com o significado se assim observarmos a partir da premissa de que “o pensamento não pode ser compreendido distanciado da práxis histórica que o produziu”, como explicar tanta beleza em cores de quadros feitos por um homem atormentado, triste e solitário? Ou ainda, quando trazemos essa questão aos nossos dias vemos propaganda nos mostrando através de imagens que não condizem com a situação real. O exemplo clássico são as propagandas de empreendimentos imobiliários que trazem através dos condomínios muita segurança, paz e qualidade de vida. Mentira. A tentativa de vender o significado moldado ao que a nossa sociedade há muito deixou de construir e uma falácia. Todo nós sabemos que não existe, por exemplo, segurança em lugar algum e mesmo assim publicitários de ordem tradicional continuam a vender um significante enganoso. A imagem não condiz com a realidade. Isso me faz lembrar de outra propaganda, devidamente modificada: “a imagem não e nada. Sede e tudo. Obedeça sua sede, beba água”.
Explicitado a questão da imagem parto agora para outra idéia que vimos ser destruída com a práxis. Trata-se da questão da condição de localidade. Fizemos essa fotos sendo brasileiros, hospedamos as imagens em um site japonês e agora, como parte do projeto na tentativa de demonstração que a espacialidade é uma resultante, quando tratada na ordem de uma metrópole, dispensável colamos em muros espalhados pelo mundo: São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Londres, Paris, Barcelona, Milão e Amsterdam.
Se todo pensamento tem origem pratica, histórica, social que condiz com a espacialidade e tempo, segundo Horkheimer. Nosso pensamento seguido da criação de algumas imagens em território distinto ao de nascimento e culturizaçao vem mostrar o contrário.
Criamos um Frankenstein apátrida do qual ao contrário do personagem de Mary Shelley não vem para nos destruir e sim para comprovar mais uma contradição da pós-contemporaneidade.

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