sábado, 23 de junho de 2007

Brasília: esquizofrenia arquitetônica

Brasília: esquizofrenia arquitetônica


Demência precoce, a qual, segundo Bleuler, seria um deslocamento ou figuração das funções psíquicas. Foi essa a doença que assolou Lucio Costa, o idealizador de Brasília e o inexperiente executor do projeto Oscar Niemeyer. Ao aceitar os desafio da técnica e da máquina, arquitetos como eles e Lê Combusier riscaram o Brasil em pranchetas francesas, ambos pagos com dinheiro do povo.
Jeremy Bentham em Panoption (1791) pensa resolver problemas relacionados à disciplina da prisão e ele diz, de todas as coletividades onde existem problemas de fiscalização – “por um simples projeto arquitetônico o inspetor vê sem ser visto”.[1] É através dessa frase que traço paralelo entre o contexto histórico nacional e a formação do espaço industrial na França. De maneira a compor a insanidade e o desproposito da criação donde, o subterfúgio usado, era a ordem do progresso modernista.
Nascida alguns anos antes do golpe militar brasileiro, a cidade racionalizada brotou do centro oeste como uma flor mecânica, em 18% de umidade relativa do ar. Composta por linhas rápidas a formar grandes espaços que valorizassem o padrão, impelindo, assim, qualquer desabrochar de especificidade nacional, Brasília, nasce seguindo a linha de produção e sob os moldes dos galpões do inicio da revolução industrial francesa. Galpões que em seus primórdios regem três princípios de organização espacial: o político, o técnico e a vigilância de idas e vindas das pessoas e mercadorias.
Por uma questão , entre outras, geopolíticas a capital do Brasil é deslocada do Rio de Janeiro para o centro oeste do território nacional. O período histórico do qual é realizada tal transição consiste na base da industrialização da região sudeste, sobretudo. Quando cito a região sudeste refiro-me a basicamente a duas cidades: são Paulo e Rio de Janeiro, ambas incomparáveis a qualquer cidade de um pais desenvolvido, àquela época. Seja por quantidade de produção ou pela maneira de como é reduzido tais produtos. Vale ressaltar que o período se enquadra desde a campanha política de JK com seu slogan de campanha “Brasil, 50 anos em 5” junto com a chegada a primeira montadora de automóveis. Que como o próprio nome diz não produz, apenas monta. Se a produção de riqueza, segundo Karl Marx, esta na quantidade de trabalho agregado á matéria, a industria brasileira na segunda metade do século XX é uma piada.
Portanto, relacionar linhas modernistas da capital do pais, com sua base nos galpões da industria francesa do século XIX, à industrialização e desenvolvimento da nação vemos que esta fora de cogitação, uma vez que nosso produto em pauta de exportação aquela época ainda estava fincado no setor primário. Assim , excluímos a primeira possibilidade de respaldo à identificação nacional. O que existia era uma intencionalidade de progresso positivista, atrelado ao desenvolvimento industrial que beneficiaria a recém formada classe média brasileira. Ambos, mais tarde constatada, a chaga de um período histórico. A industria fomentada por capital estrangeiro, atrasando assim a concepção que temos hoje de desenvolvimento auto-sustentável e a formação dessa classe que, sobretudo, conservadora se entupia de bossa-nova, enquanto comprava eletrodomésticos deixando que os militares matassem e censurassem aqueles que não se contentavam com a chegada da televisão. A marcha de Deus e a família possibilitou a subida do militarismo ao poder. Quando a classe média percebeu o feito já era tarde e, com isso, foi obrigada a amargar longos anos de ditadura.
A segunda desmistificação que busco constatar se dá ao fato do deslocamento executivo, judiciário e administrativo do poder. Instalada no centro do país, o local que por si só concentra dificuldades de locomoção, uma vez sabido que todo o desenvolvimento de transporte, após campanha de industrialização é passado por linhas de rodovias que sustenta a campanha de desenvolvimento automobilístico. Deixando longe dos olhos do povo qualquer tipo de possíveis contestações que interfira no processo político. O que dificulta a intervenção direta no processo democrático.
Enquanto fabricas eram ocupadas por famílias inteiras que trabalhavam com seus próprios instrumentos de trabalho, Brasília seguia não so os mesmos passos da arquitetura, mas com o nepotismo tão corriqueiro ainda em nossos dias. Lá, explorados integralmente pelo sistema de produção que fazia dos pais tiranos de seus próprios filhos. Aqui, os bem-aventurados parasitas exploradores de uma nação. É assim, portanto, que a frase citada de Jeremy Bentham faz todo o sentido, entretanto, como a esquizofrenia dos arquitetos, tal frase é aplicada no sentido contrário. Se o projeto arquitetônico propõe a inspeção aos inspecionados como finalidade de melhorar essa função, na capital do país o projeto arquitetônico dificulta o dever de qualquer cidadão. Seja por uma questão de deslocamento espacial, que deixa o centro de decisões políticas longe da massa, seja por regras de indumentárias, das quais obriga um povo que até então era tido como “o país dos banguelas” a usarem calças para adentrar em um espaço dito democrático, ou ainda, na forma planejada da cidade que possibilita, como o único ponto de aglomeração, a rodoviária. O povo, desde sua construção, nunca ocupou outra posição senão a periférica. Enquanto conjuntos habitacionais eram construídos por milhares de trabalhadores vindos, em sua maioria, do nordeste do país burocratas desfrutavam da maravilha moderna construída para poucos.
Por fim, o principio técnico que facilitava a circulação da matéria-prima entre as oficinas de processamento foi facilitada pelo inicio da racionalização do espaço. A industria têxtil francesa tomava as diretrizes do que mais tarde seria quesito fundamental em qualquer espaço produtivo da industria moderna. Enquanto o plano diretor da cidade de Brasília tomava, como fundamento, a ordem de construir a partir da racionalização para se produzir mais rápido e em larga escala. Aqui há a divergência de períodos distintos, mas que segue a linha de produção sob o mesmo aspecto: viabilidade da produção máxima.
Se Brasília tivesse sido construída com respaldos nacionais teríamos no lugar do palácio do planalto uma grande oca que estaria sempre aberta às discussões desse povo. E àqueles que divergem da linha de raciocínio traçada para unir as duas construções, usando como respaldo teórico o suporte. Podendo citar até mesmo que há um deslocamento em tempo absurdo desde a criação do cimento, o concreto. Peço que visitem um modernista que ultrapassou a simples blasfêmia de que a idéia estava vinculada ao material exposto junto a ela. A idéia, quando libertária, não se prende em côncavo e convexo, pode estar em um bidê.
[1] Jeremy Bentham, Lê Panoptique ou I´Oeil du pouvoir, Paris, Belfond, 1977, com um prefácio de Michel Foucault.



by Jeff Anderson

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