São Paulo, 28 de abril de 2006
O Boi e o Passarinho
Às vezes, por prazer, os homens de equipagem
Pegam um albatroz, enorme ave marinha,
Que segue, companheiro indolente de viajem,
O navio que sobre os abismos caminha.
Mal o põem no convés por sobre as pranchas rasas,
Esse senhor do azul, sem jeito e envergonhado,
Deixa doridamente as grandes e alvas asas
Como remos cair e arrastar-se a seu lado.
Que sem graça é o viajor alado sem seu nimbo!
Ave tão bela, como está cômica e feia!
Um o irrita chegando ao seu bico um cachimbo,
Outro Poe-se a imitar o enfermo que coxeia!
O poeta é semelhante ao príncipe da altura
Que busca a tempestade e ri da flecha no ar;
Exilado no chão, em meio à corja impura,
As asas de gigante impedem-no de andar.
(Charles Pierre Baudelaire)
Foi ela. Foi ela que atrapalhou seus vôos. Foi ela que confundiu seus sentimentos. Foi ela que rompeu a única maneira de um vôo seguro e duradouro. E foi ela que com suas nevoas, após consumida, rompeu a relação entre o passarinho e seu grande amor, o boi. Ela que, como a maçã de Adão e Eva, mostrou o atalho para se chegar aos céus. Era mentira. Ela, a erva daninha branca e suas sementinhas, fez com que ele arriscasse sua única natureza, a de voar.
O passarinho, que mora no décimo quarto andar de uma alta arvore, agora não voa. Atira-se. Atira-se para o abismo. Em busca de algumas emoções parte para o consumo inconsciente. Ele está mau. Já não voa mais. Está triste e sente-se sozinho, em um lugar estranho. Um estranho no ninho.
Vendo tudo isso, o boi que de saudades chora, e que recentemente passou por uma alto afirmação vê que cometeu um erro de analise quando quis empregar qualidades terrenas ao ser passarinho, que da terra só busca belas paisagens e retorna ao pouso seguro. Quando a saída dada ao passarinho foi a do trabalho, o boi sensível ao seu também amor, quis mostrar que algo estava errado. Entretanto, com suas palavras concretas como chumbo, não foi compreendido. As palavras eram para ele mesmo, enquanto a idéia, que não exposta da maneira como se faz chegar aos ouvidos sensíveis do passarinho perderam-se no ar. O boi quis mostrar que para o passarinho continuar voando e, assim, exercer o que de tão belo é seu dever bastava respeitar suas escolhas. Seus sentimentos. Todas as noites quando busca o sono é a maneira senão de descansar e revitalizar-se com novos sonhos e anseios de explorar novos ares. É aqui que o trabalho é realizado. Seu trabalho consiste em nutrir-se de conteúdo, ainda que impalpável. São as forças para o ciclo natural continuar trazendo beleza aos olhos do boi que lá do aberto campo o olha feliz com a imensidão azul e com a graça que só o passarinho quando, também, feliz pode proporcionar aos olhos lacrimados de um ser que sente todo o peso da tristeza quando não o avista fazendo o que nasceu para fazer: voar.
Antigamente, pois essa relação entre o boi e o passarinho tem mais de um ano, quando cada um estava em seu habitat e a primeira vista logo se apaixonaram existia o comensalismo. É algo que alguns seres humanos biólogos dizem quando existe uma relação mútua de ajuda entre dois seres distintos. É o que acontecia entre eles. O boi, já apaixonado antes mesmo da existência de qualquer relação, não acreditou quando sentiu, pela primeira vez, que podia ser construído algo bom que pudesse os unir. Foi então que ao encontrar-se em um campi os primeiros olhares começaram a existir. O boi infestado de carrapatos, parasitas que o usurpavam sua vitalidade, foi socorrido pela fome do passarinho que tem fome.
Esse era o ciclo. O passarinho era suprido de comida, enquanto ajudava o boi a se livrar de parasitas e, com isso, poderia continuar a conhecer os céus e o boi a transformar toda matéria terrena por onde passava. Era simples. Se não fosse o amor.
A paixão, como já disse, existia para o boi antes mesmo do passarinho mostrar qualquer interesse pelo mesmo. E isso, com o passar do tempo, foi transformando, capacidade que de tão explicita era clara como a Arte de transformar que o boi tinha, o passarinho e ele descobrindo o amigo boi. De tão amigos o passarinho contava historias que via por esses céus longínquos. Levantava a orelha do boi e cochichava seus segredos e sua única paixão: a projeção da luz e o som da natureza. O boi extasiado quase que voava. Apaixonado, quis mudar. E mudou tanto que queria voar. Queria era o passarinho. Queria era ficar juntinho. Mudou.
Vou.
Caiu.
Foi agora, neste ultimo último verão. Por isso, a auto-afirmação. Algumas coisas precisavam ficar claras na cabeça do boi e só o tempo pode ajudar. Boi não voa. Passarinho não pasta. Voar significa liberdade, significa conhecer um amplo campo, significa refinar a visão. Pastar é transformar. É a grama que o boi come e vira adubo para outras vidas crescerem. É a possibilidade que o boi proporciona para que a vida continue. Só que esse boi, assim como esse passarinho, não eram iguais aos outros de sua espécie. O passarinho, por exemplo, quando voa faz um reconhecimento das mazelas da humanidade e sofre com isso. Do alto avisa quando está feliz com vôos rasantes e belos, mas quando olha algo errado caga bem em cima do alvo para mostrar o tamanho da miséria. Igualmente faz o boi. Não com as mesmas atitudes, mas com a mesma consciência. Suas questões referem-se ao rebanho. Parte da base do porque e, assim, perguntas variam desde o caminho a ser seguido até as correções que a transformação pode e deve, acredita ele, realizar. É um eterno caminhante em busca da transformação.
A amizade a cada dia ficava mais forte. Todos os dias o passarinho vinha visita-lo e o boi alegre com sua presença começou, também, a narrar uma infinidades de transformações que poderiam ocorrer se acaso o medo não fosse fator imperativo. O passarinho extasiado com o mundo terreno quis botar a mão na massa, mas suas asas eram grandes demais. E aqui no chão era preza fácil. Ele tentou. Mudou. Andou. Não saiu do lugar. Ficou triste. O boi ficou triste. Ele dera ao boi sua prova de amor...
Nesse tempo em que permaneceu no chão, ele não tinha mais tempo para falar sobre as coisas que o boi gostava de ouvir. Ele não falou mais de seus sentimentos, não falou mais das projeções. Durante esse tempo, tamanha foi a mudança que ele quis freqüentar uma gaiola para ver o porque de alguns preferirem passar a maior parte de seu tempo lá e não no céu. Quis conhecer seu rebanho. Por esse tempo, logo após uma longa viajem por céus andinos, ela esteve presente em demasia. Fazendo com que a relação entre eles quase se extinguisse. O boi sofria com os carrapatos e o passarinho de fome. Ambos ocupavam lugares errados. Essa gaiola mudou muito a cabeça do passarinho. Lá impuseram que ele aplicasse sua paixão pelas projeções de maneira sistemática e ordenada. Quase o mataram!. Tamanha era a desconfiguração que ela provocou que ele não percebeu que aquilo que exigiam dele era natural e não precisava de qualquer coerção metodológica para que realizasse o que nasceu para fazer. Mas ainda está mudo.
Nestes últimos dias o boi e o passarinho finalmente saíram juntos, sozinhos. Ainda que o passarinho conhecesse quase todo mundo houve tempo suficiente para ficarem juntos. A conversa entre eles ainda não esta muito bem estabelecida. Mas o fato da aproximação já fez com que o boi enxergasse o seu caminho e seu lugar. Entretanto, o passarinho que agora doente por conta dela ainda não percebeu que tem que voar. Tem que sair do chão. Não só para se curar, mas para trazer alegrias ao seu amor. O boi, mesmo precisando de companhia irrestrita ao seu lado, escolhe a alegria e as aventuras que o passarinho pode trazer. É assim o relacionamento deles. Um na terra o outro no céu. Cada qual no seu mundo, realizando o que tem que fazer. Mas o passarinho não acertou seu vôo ainda. Ele tem que voltar a nutri-se à noite daquilo que propôs a fazer. É o único período que vem a terra. Assim como o único momento que o boi está no céu é quando sonha. É nesse encontro de mundos que acorre o beijo, o abraço, o amor. Ele não precisa dela. Pode alimentar-se algumas vezes para ir mais longe, mas não pode usar de artifícios para voar. O vôo só acontece quando o trabalho de suas asas é realizado, que por sua vez, usa de energia que acumulou a noite através daquilo que propôs a fazer, daquilo que é o seu caminho.
Quando tudo isso estiver em harmonia a relação de comensalismo será diário e, às vezes, o encontro do amor poderá se objetivar. Basta que cada um esteja em seu lugar mostrando ao outro a beleza daquilo que faz melhor.
Voa passarinho!
Transforma boi!
By Jeff Anderson
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